Falar sobre amenidades, sobre os outros, sobre política e
economia, futebol e novela. Falar sem pensar, sem medir as palavras, sem que de
fato o impulso passe pela razão que organiza a linguagem. Tudo isso é rotineiro,
nem nos damos conta do quanto batemos a língua para sobreviver em um mundo onde
sons e barulhos se impõem dia e noite.
Parece fácil e é. Desde que não resvale naquilo que nos é
difícil colocar em palavras. Naquilo que dói ou que não conseguimos
compreender. Naquilo que gostaríamos de ter controle, mas que nos controla,
passa a perna, nos desarma e fragiliza.
Cada um carrega em sua história um ou mais sentimentos
não valorizados, mal interpretados ou reprimidos. A partir do contexto
sócio-afetivo-religioso aprendemos ou não a nomear e interpretar aquilo que sentimos.
Infelizmente também somos compelidos a julgar, a negar e a reprimir tudo aquilo
que não legitimamos em nome de sermos aceitos no mundo que nos cria e avalia,
permeados todo o tempo pela cultura que nos cerca.
É muito comum, na clínica e no cotidiano, perceber que
muitos confundem ciúmes com inveja. Ou não sabem diferenciar angústia de ansiedade.
Têm dificuldade em interpretar sinais de raiva e medo, mágoa e rancor. Ou não
conseguem soletrar afetivamente o sentimento amor.
Pode parecer banal, mas o não reconhecimento e o não
acolhimento das próprias emoções criam formas de “ser e estar no mundo” que
causam muito sofrimento. Não legitimar a raiva, por exemplo, faz com que o sentimento
que é comum a todos e que tem a ver com a invasão de nossos limites e direitos,
passe como um leve incômodo, algo que não deve ser experenciado e colocado “para
fora”. A vítima reprime a emoção e passa, com o tempo, a não reconhecer seus
sinais que são, em última instância, necessários à sobrevivência.
Se formos desconstruir essa não validação da raiva chegaremos,
entre outros, ao medo do descontrole, de entrar em conflitos destrutivos,
deixar de agradar todo mundo, decepcionar pessoas queridas e por aí vai.
Acontece que quando não é vivida no dia-a-dia, passa a ter a força de um
tsunami quando menos se espera, destruindo o que estiver pela frente quando
explode – que é justamente o medo daquele que reprime este sentimento...
Da mesma maneira, aquelas pessoas que se dizem duronas,
que têm problemas em amar, que não acreditam serem capazes de se envolver
afetivamente com alguém ou culpam a sorte por não ter encontrado a “alma gêmea”,
podem esconder seu grande potencial amoroso justamente por medo da própria
fragilidade, do pavor do abandono, da sensação de morte em caso da falência
afetiva. Protegem-se mergulhados na própria dor, por mais insensato que isso
possa parecer; não reconhecem que vivem sim o abandono e o horror da morte –
mas provocado por eles mesmos, o que dá certa sensação de controle. E haja
sofrimento.
Muitos chegam ao consultório em situações que têm, em seu
âmago, o não reconhecimento do que se deseja. Demandas que correm em paralelo
com o que se sente, que não se cruzam em ponto algum, revelando o quanto se
vive no impróprio, sem sentido, ou melhor, no “não sentido”.
Enfim, falar de sentimentos é percorrer a própria
história, ouvir os medos que nos paralisam, encarar as máscaras que usamos para
esconder o que realmente somos e finalmente entender que, aquilo que tentamos
esconder de nós mesmos é justamente o que um dia emerge e nos engole.
Adriana Roitman
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